sábado, 25 de junho de 2011

Como era a Festa do Galo há mais de 89 anos

Do Diário de Notícias, de 3 de Abril de 1922, sob o título «Em Beja. Uma festa de estudantes, que se populariza, ganhando tradição» 
 A mocidade estudiosa do liceu desta cidade levou a efeito, numa destas noites, em inofensiva esturdia, a tradicional "Festa do Galo", tendo percorrido as ruas da cidade num luzido e pitoresco cortejo, para cujo brilhantismo concorreu uma banda de música expressamente contratada e ao qual não faltou o concurso, por dever de ofício, da cavalaria da G. N. R.
  Tem já a festa as suas tradições, e a sua origem vem de uma aventura em que, há anos, alguns académicos se meteram, e da qual resultou irem para a esquadra de polícia acompanhados de um soberbo galo, sultão de certa capoeira e pouco antes sequestrado ao convívio de quantas dilectas galinhas que constituíam o seu harém.
 «Na esquadra os zelosos cívicos queriam, à viva força, que o emplumado Chantecler voltasse, qual filho pródigo, ao poleiro de que havia sido destituído; mas a 'briosa' quis sustentar  o seu  capricho  e a  policia só pôde  verificar, passadas algumas  horas,  que o vespertino despertador, após morte violenta, dera a alma 'à criação' e só lhe restava, como sucedeu, temperar a mais suculenta canja de que havia memória nos anais das patuscadas alegres da academia de Beja, a qual lhe prestou, como era de esperar, as devidas honras..., 'de caixão à cova'.
  É este o acontecimento que se soleniza todos os anos, na noite do aniversário da 'captura' do primeiro galo; e para que a festa seja, quanto possível, a fiel reprodução da tragédia original, todos os anos os nossos académicos nas proximidades da patuscada, armam em 'verdadeiro terror' de todas as capoeiras.
  O cortejo forma-se em frente do liceu, e os lençóis da cama de cada qual constituem o típico 'travesti' de quantos estudantes naquele se incorporam, uns a pé, outros montados em jumentos; e enquanto a artilharia troa e a banda de música executa a mais fúnebre de todas as marchas graves, a 'vítima', imolada à capoeira menos vigiada, segue pachorrentamente ao colo de um estudante eleito, este em cima de uma padiola conduzida por outros académicos e iluminada a lavareda encarniçada de alcatroados archotes.
 E o cortejo lá segue; funéreo no feérico do seu aspecto, alacre de mocidade, entre alas e acompanhado duma enorme massa de povo até vir debandar, novamente, na Praça da República, junto do liceu, onde, duma tribuna previamente ali erguida, vários oradores, inscritos e não inscritos, dão largas à sua alegre loquacidade, engendrando os mais alegres disparates sobre o 'tema' da sua festa.
  Brincadeira inofensiva é esta, verdade, em que duas vítimas há apenas a registar - o galo e a pessoa que ficou sem ele; mas enquanto a mocidade assim se diverte, não há receio de que ela enverede por outros caminhos que lhe podem ser prejudiciais.
  E tão popularizada ela está que, este ano, apesar de ser feita sob chuva, se lhe associaram mais de mil pessoas, sendo vulgar encher-se totalmente a Praça da República nos anos em que se realiza com bom tempo.»

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